terça-feira, 30 de março de 2010

UM GIGANTE DA ÉTICA NA VIDA PÚBLICA




Anote aí: se há alguém na história da vida pública brasileira que todos os políticos (assumindo ou não ) tem vontade de imitar é Mário Covas. Desde domingo, para minha grande satisfação e de todos aqueles que apreciam a história republicana do país, Guaíra sedia na região, com instalações na Casa de Cultura, a exposição “Mario Covas - A ação conforme a pregação”. Idealizada pelo arquiteto Haron Cohen e promovida pela Fundação Mário Covas, a exposição é rica em imagens e textos que recuperam fatos marcantes da vida nacional, como os dias negros dos anos de chumboda ditadura, a campanha pelas eleições diretas para Presidente da República, a Assembléia Nacional Constituinte e os anos de Governo que revolucionaram a administração pública no estado de São Paulo. Defensor intransigente da democracia e da ética na política, Covas era um gigante teimoso, como descreve o filósofo José Arthur Giannotti no artigo que reproduzo abaixo:



Covas, o teimoso

Engenheiro, obcecado por números, quando metia uma idéia na cabeça era mais fácil retirá-la a golpes de machado do que pela conversa. Mas cedia a uma argumentação pétrea. Como foi possível a esse engenheiro fazer brilhante carreira política, quando no mundo contemporâneo tudo caminha para o espetáculo, a própria política vindo a ser muito mais o fascínio do show do que processo de negociação racional? Porque ele possuía extraordinário senso de oportunidade para a coisa pública, a capacidade de distinguir na multidão de problemas que assalta um político o caminho, levando à consecução de seus objetivos. Isso foi demonstrado sobejamente na sua administração como governador. Eleito na onda provocada pela sustentação do Real, início de uma nova ordem econômica no país, compreendeu claramente que, nas condições em que opera o novo capitalismo, não há como fugir do equilíbrio nas contas públicas. Por mais doloroso que seja o ajuste fiscal, o desequilíbrio traz conseqüências perversas muito piores do que buscar a todo custo corresponder receitas e despesas. Todo o seu primeiro mandato orientou-se no sentido de cumprir essa meta. Se políticas sociais mais amplas poderiam ter sido implementadas, só a história poderá dizer, quando sua atuação for avaliada em vista dos recursos políticos disponíveis no momento. Mas desde já impressiona seu exemplo, a vontade férrea de selecionar o melhor que, a seu ver, o povo merecia. Por isso, despertava confiança até mesmo em seus adversários. Doía-lhe o seu isolamento, a pequena ressonância de uma política que acreditava nada mais visar do que o bem público. Compreendia a revolta do funcionalismo com salários comprimidos que, naturalmente reclamando de seu sacrifício, não via a razão para arcar com um ônus evidentemente mal distribuído. Por isso discutia com ele, agredia quando era agredido, fazendo disso prova de consideração. No entanto, por mais que sua política fosse impopular, sempre preferiu manter-se fiel às suas convicções do que curvar-se às preferências do momento. Nunca evitou estragos em sua popularidade, se para isso fosse necessário fazer concessões. Conseguiu ir para o segundo turno da última eleição para governador, vencendo Marta Suplicy por diferença mínima. E, agora, quando os frutos de sua política apertada começavam a brotar por todos os cantos, a morte o levou. Talvez para que não deixasse, na política nacional, imagem ambígua, porquanto, nas condições de hoje, em que tudo é permitido, não convém preservar a nitidez de seu exemplo.

José Arthur Giannotti é filósofo, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). É autor de "Certa Herança Marxista" (Companhia das Letras)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Fale com o José Carlos